domingo, 20 de setembro de 2020

A minha “mãozinha molinha”

Caros amigos, eis-me de volta a Portugal, iniciando agora o 1º ano, bem adaptado à minha escola lisboeta e com colegas novos, com quem me divirto muito. Apesar disso, às vezes ainda tenho saudades dos meus amigos de Bruxelas e penso neles e nas brincadeiras que fazíamos na língua de Moulière.

Como referi no penúltimo post, desde 31DEZ2016 que passei a usar uma “mãozinha molinha” (cosmética). Aqui proponho-me contar a história dessa prótese e do desafio que foi a sua criação. Tudo começou numa consulta no Hospital D. Estefânia (HDE) com a Dra. Maria José Costa e a Terapeuta Alexandra Castro. Discutia-se a prótese seguinte, pois a minha “mão Nenuco” estava a ficar pequena, quando foi sugerido que se podia digitalizar a mão esquerda, inverter com um programa informático e imprimir em 3D uma mão direita geometricamente idêntica à biológica. Eureka! O que é preciso é ter ideias brilhantes! E agora, como concretizar? Conseguiu-se uma reunião no Instituto Superior Técnico (IST) (MAR16) com os meus pais, os Professores Miguel Tavares da Silva e Marco Leite, a Mestre Rita Cardoso, do IST e as minhas amigas do HDE, que tiveram a ideia. Eu, a cobaia, também fui para ter a certeza que eles não se enganavam! Comecei a sentir-me um autêntico Guinea Pig, algo a que já me vou habituando.

Sabem uma coisa que me surpreendeu? Eu pensei que os meus pais eram os mais entusiasmados, mas não. Os representantes do IST também tinham uma grande desejo em encontrar soluções para ajudar a sociedade, juntando a dimensão científica com a dimensão humana. Quanto às representantes do HDE, com grande casuística nesta área, é escusado explicar o interesse revelado. Estavam reunidos os ingredientes certos para um trabalho conjunto e interdisciplinar de grande valor.

Estudado o assunto, fomos informados que este projeto daria origem a uma tese de mestrado da Eng. Vanessa Lopes. Uau! Sou mesmo importante.

O processo iniciou-se com a digitalização do meu antebraço e mão esquerdos. Adormecer foi o primeiro passo de extrema dificuldade, com tanta gente a observar-me. Ainda não sei se usaram alguma frigideira para me acalmar! Não foi fácil esta tarefa, pois cada espasmo do meu bracinho implicava perder as referências do cenário tridimensional (1) que a Eng. Vanessa tinha construído, e tínhamos de recomeçar. Como era um trabalho de equipa, ainda houve uma ajuda técnica através de uma Tomografia Computadorizada para arranjar mais dados do meu membro superior.

Este trabalho foi muito fácil para mim: primeiro dormi, depois a Eng. Vanessa fez “umas contitas simples”, procurou quanto pesava um bracinho de criança, usou umas técnicas de modelação geométrica e imprimiu em 3D uma mão direita, que parecia de borracha, igual à minha mão esquerda.

 

Usei diversas mãozinhas. Inicialmente o protótipo era imperfeito e impresso em material rígido (PLA). Eu pintava-o com o meu pai para ficar da cor da pele. Depois foi evoluindo, para diversos tons e diferentes materiais e texturas. Terminou numa mão flexível (NinjaFLEX). Não sei se era por ser ninja, mas eu não me aleijava quando caia, pois a minha prótese protegia-me. O meu pai disse-me que eu fui pioneiro, pois não existe no mundo ninguém que tenha usado uma prótese com estas características (e ele segue todo o estado da arte). A adaptação ao braço foi igual ao da minha mão Nenuco, já explicado em post anterior.

Como eu costumava dizer em Bruxelas, quando era mais pequeno: “foi um ótimo trabalho de equipa”, que muito nos orgulhou. Tendo sido um projeto de sucesso, tenho uma grande esperança que possa ter continuação e que possam fazer próteses iguais para outros meninos. Sei que é difícil encontrar soluções economicamente viáveis para as várias fases de desenvolvimento de crianças como eu. Crescemos tão depressa, que as próteses deixam de nos servir num instante, o que dificulta a sua aquisição, quer pelos nossos pais, quer pelos serviços de saúde. Uma mão como a minha pode ser o “ovo de Colombo”.

O que eu gostava mesmo era que agora o IST pudesse desenvolver uma mãozinha mecânica simples. Basta que o polegar possa fazer pinça com o indicador para ser uma grande evolução da minha “mãozinha molinha”. Estou a chegar à fase em que gostaria de comer de faca e garfo e, com um polegar a mexer, talvez já conseguisse ter boas maneiras à mesa!

Bem hajam a todos pela colaboração e sinergias conseguidas neste projeto.

Muito obrigado aos seguidores pelas cerca de 14500 visitas ao meu blogue, que espero já tenha ajudado alguns amigos.

(1) Algumas expressões técnicas foram retiradas do artigo publicado no 7.º Congresso Nacional de Biomecânica - Concepção e desenvolvimento de uma prótese do membro superior (Vanessa Lopes, Rita Cardoso, Marco Leite, Miguel Tavares da Silva - IDMEC, LAETA, IST e Maria José Costa, Alexandra Castro – HDE):

https://www.researchgate.net/profile/Marco_Leite5/publication/313790661_CONCEPCAO_E_DESENVOLVIMENTO_DE_UMA_PROTESE_DO_MEMBRO_SUPERIOR/links/59c38362a6fdcc69b9353d11/CONCEPCAO-E-DESENVOLVIMENTO-DE-UMA-PROTESE-DO-MEMBRO-SUPERIOR.pdf?origin=publication_detail

1 comentário:

  1. Excelente trabalho de e em equipa. Parabéns ao lindo, simpático e grande Frederico. Que bom exemplo.

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